Li no jornal que um número expressivo de brasileiros sabe ler, mas não sabe interpretar o que lê. Entendem o significado de algumas palavras e frases curtas, mas não de um texto um pouco mais longo e complexo. São semi-analfabetos. Fechei o jornal e os olhos e embarquei numa viagem pelo mundo lexical.
A primeira idéia que me ocorreu foi que uma palavra isolada perde sua força. É como um soldado no campo de batalha que precisa do apoio de seus companheiros para lutar e sobreviver. Cada palavra-soldado tem sua função específica na tropa lingüística, seja substantivo, adjetivo, verbo, pronome ou outra especialidade. Elas se completam e formam frases, que alinhadas compõe parágrafos que dão vida ao texto.
Uma língua seria então um repertório destas palavras e cada idioma teria o seu. Sob esse aspecto traduzir seria uma tarefa fácil, bastaria substituir palavras de um idioma para o outro e montar frases. É o que fazem os programas de tradução instantânea com resultados desastrosos. Traduzir é mais do que substituir palavras, é transformar, adaptar, improvisar. Traduttore, traditore, diz o ditado italiano. Traduzir é trair no sentido que o texto traduzido é infiel ao original.
Todo língua possui suas características, peculiaridades e ambigüidades. Em português dizemos que vamos botar a calça e calçar a bota, quando mais lógico seria calçarmos a calça e botarmos a bota. Em idiomas diferentes as palavras nem sempre significam o que aparentam. Num país de língua inglesa ao se deparar com uma placa de PUSH numa porta, não puxe, empurre; se for PULL, não pule, puxe, e no caso de EXIT, não hesite, saia. A palavra saia, que acabei de usar é outro exemplo, isolada e fora do contexto não se sabe se é a peça do vestuário feminino ou o tempo verbal.
A informática, o economês, a internet e outras áreas tecnológicas estão sempre lançando palavras novas na mídia. Software, marketing e performance são exemplos de algumas já aceitas e incorporadas ao nosso vernáculo. Outras, como deletar, estresse, know how e impeachment, ainda estão sendo digeridas. Difíceis de engolir são as aportuguesadas fidebeque, leiaute e estartar. É a globalização introduzindo uma nova língua universal para facilitar a comunicação entre os povos, o que o esperanto tentou, mas não conseguiu.
Nesse ponto da viagem compreendi melhor as dificuldades dos semi-analfabetos tendo que conviver com todos esses neologismos e percalços lingüísticos. Abri os olhos e retomei a leitura do jornal.
terça-feira, 1 de maio de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
3 comentários:
Não sou expert, só uma curiosa... mas gostei muito!
Boa auto-biografia!
"Cada palavra-soldado tem sua função específica na tropa lingüística, seja substantivo, adjetivo, verbo, pronome ou outra especialidade."
Esta metáfora é perfeita, bem bolada, amei!
dá onde você tirou a história da bota e da calça? Brilhante!
Postar um comentário