terça-feira, 1 de maio de 2007

Vamos dar um tempo

O namoro começou na adolescência num cursinho de inglês. Naquele tempo não se ficava como nos dias de hoje e para dar uns amassos era preciso namorar. O relacionamento se firmou e prosseguiu durante o tempo de faculdade, ela de medicina e ele de engenharia. Brigas existiram, seguidas de reconciliações que fortaleceram a relação e acabaram por levá-los ao altar. Igreja lotada, recepção suntuosa, lua de mel na Europa e notas em colunas sociais.
Namoro longo, casamento curto. A repentina separação foi uma surpresa para quem os conhecia, na teoria eles formavam o casal perfeito, mas na prática não era bem assim. As desavenças começaram tão logo a poeira das bodas abaixou e a rotina do casamento se instalou. Incompatibilidade de horários; ela saía de um plantão para outro e ele sempre envolvido em viagens de trabalho. Quase nunca se encontravam e quando acontecia tinham objetivos diferentes, ele queria sair para se divertir e ela ficar em casa para colocar o sono em dia. Ele acabava saindo sozinho e a relação foi se deteriorando. Suspeitas, nunca confirmadas, de outra no pedaço.
Resolveram dar um tempo e cada um seguiu seu caminho sem guardar rancores. Ela voltou a se casar e teve dois filhos com um colega de profissão de quem se separou mais tarde. Ele continuou com suas viagens, morou em várias cidades e seus relacionamentos sempre foram passageiros. No início ainda se falavam e trocavam cartões nos aniversários e datas festivas, mas depois nem isso, com o passar do tempo perderam totalmente o contato.
O reencontro foi casual numa festa de casamento da filha de um amigo comum. Emocionados e desacompanhados aproveitaram a oportunidade que o destino lhes reservou. Beberam, comeram, dançaram, riram e conversaram sobre suas vidas depois da separação. Assunto é o que não faltava, tinham trinta anos de histórias para contar. Embalados pela emoção do reencontro e pelas muitas taças de prosecco que tomaram, decidiram terminar a noite no apartamento dele. A brasa da antiga paixão adolescente estava reacesa.
Entraram no apartamento tirando as roupas entre beijos e abraços acalorados. Cada peça que caía no chão revelava uma parte do corpo e trazia doces recordações, jogando mais lenha na fogueira da paixão. Enfim nus, melhor dizendo, novamente nus. O tempo havia sido cruel e deixado marcas na dupla cinqüentona: celulites, varizes, barrigas e carnes flácidas. Detalhes insignificantes e incapazes de apagar o fogaréu que os consumia naquele momento.
A noite foi curta para apaziguar toda aquela paixão e os encontros se repetiram. Eles tinham um passado para resgatar, um presente para aproveitar e, quem sabe, um futuro para compartilhar.

Um comentário:

Beatriz disse...

"As desavenças começaram tão logo a poeira das bodas abaixou e a rotina do casamento se instalou."

você tem umas frases simplesmentes perfeitas!
Isso é perfeito, lírico, poéticoe ao mesmo tempo, sexy. Gostei demais:

"Cada peça que caía no chão revelava uma parte do corpo e trazia doces recordações, jogando mais lenha na fogueira da paixão. Enfim nus, melhor dizendo, novamente nus. O tempo havia sido cruel e deixado marcas na dupla cinqüentona: celulites, varizes, barrigas e carnes flácidas. Detalhes insignificantes e incapazes de apagar o fogaréu que os consumia naquele momento."

"Emocionados e desacompanhados aproveitaram a oportunidade que o destino lhes reservou."

O que acha de emocionalmente desacompanhados?