terça-feira, 16 de outubro de 2007

O porre que mudou a história do Brasil


Brasília, Palácio do Planalto, Gabinete da Presidência.
24 de agosto de 1961, seis da tarde — Abri uma garrafa e me servi uma dose generosa. Estavam todos contra mim, as forças armadas, os políticos da oposição e até os do meu próprio partido. Nem parecia que eu havia sido eleito presidente a menos de um ano e varrido com minha vassoura aquele marechal arrogante. Eles esqueceram rápido. O presidente americano havia apresentado um protesto veemente quando reatei relações comerciais com a União Soviética, China e Cuba. Eu queria ter visto a cara dele quando descobriu que também condecorei o Che Guevara. Por aqui também não pegou bem a condecoração, meus ministros militares não gostaram nem um pouco.
Acabou o gelo, servi uma dose caubói, dei um gole e despachei uma dúzia de bilhetinhos para meus assessores. Implicavam com tudo que eu fazia, reclamavam das proibições das brigas de galo, corridas de cavalo no meio da semana, lança-perfume e biquíni. Reclamavam até da roupa que eu vestia. Diziam que eu devia ter me ocupado com coisas mais importantes. Eles não sabiam o que era uma administração moderna e eficiente.
Dei mais um gole e a bebida desceu proporcionando uma agradável sensação. Até aquele jornalistazinho cretino que foi eleito governador da Guanabara se virou contra mim e veio falar em complô. Precisava dar uma resposta a altura para cortar as asas dele e colocá-lo no seu lugar. Se ele pensava que ia fazer comigo o que fez com o Getulio estava muito enganado. Decidi fazer um pronunciamento à nação pra mostrar com quem ele estava se metendo.
Reabasteci o copo e me preparei pra escrever o manifesto. Tinha que ser algo firme e contundente, algo que calasse a boca dele e mostrasse quem manda no país. Decidi transformar o manifesto numa carta de renúncia. Era isso! Ia dar um susto na nação ameaçando renunciar pra mostrar que eles precisavam mais de mim do que eu deles.
A idéia me empolgou, bebi num só gole e tornei a encher o copo. As palavras se multiplicavam no papel enquanto o copo se esvaziava. Já passava de meia-noite quando terminei a carta e a garrafa. Uma carta que iria sacudir o país. Fiquei cansado, mas satisfeito. Sem condições para ir até meu quarto dormi como estava no sofá do gabinete.
25 de agosto de 1961, seis da manhã — Acordei numa tremenda ressaca com a cabeça pesada e a boca amarga. Encontrei em cima da mesa a carta renúncia ao lado da garrafa vazia. Lembrei-me vagamente do que se passara na noite passada. Meu primeiro impulso foi rasgá-la, mas resolvi ler o que havia escrito. Fiquei sem saber quem eram as tais forças ocultas que mencionei, mas gostei do mistério que dava um toque de realismo ao pedido. Decidi enviar a carta como estava. Coloquei-a num envelope, lacrei-o e deixei-o na mesa da minha secretária com um bilhetinho para encaminhá-lo ao presidente do congresso às dez da manhã. Segui para meus aposentos e mandei Eloá preparar as malas porque íamos viajar.
Onze da manhã – No vôo para casa imaginei o impacto que a carta estaria causando e a cena do presidente do congresso reunido com os ministros militares discutindo meu pedido de renúncia. Eles nunca iriam aceitar e entregar o país para o meu vice. Ruim comigo, pior com ele e eles sabiam disso. Já instalado em meu apartamento em São Paulo aguardei a ligação de Brasília me implorando para voltar. Eu iria sair fortalecido daquela crise e imporia minhas condições. Eles não perdiam por esperar.
Três da tarde — O telefone tocou e fui comunicado que minha renúncia fora aceita e que eu já não era mais o Presidente da República. Meu governo durara apenas sete meses. O tiro havia saído pela culatra. Abri uma garrafa e bebi pra esquecer.

Entrevista com Cristo Redentor


Regina Paranhos & Fabio Bastos

Entrevista concedida para a repórter Regina Paranhos pela estátua do Cristo Redentor após ter sido escolhido uma das 7 maravilhas do mundo moderno.

RP - Como devo lhe tratar? Senhor, por ser o Cristo Redentor ou senhora, por ser estátua?
CR – Você deve me tratar de senhor e com todo o respeito porque agora que eu sou uma celebridade; sou uma das 7 maravilhas do mundo moderno. E vamos acabar com essa história de estátua porque eu sou um MO NU MEN TO. Estátuas são aquelas que ficam em praças públicas servindo de banheiro pra pombos.

RP — Como e quando o senhor subiu aí em cima do Corcovado?
CR — Já faz tempo que estou aqui. Eu fui concebido por um engenheiro brasileiro lá pelos idos de 1920. Minha construção ficou a cargo de um francês e demorou uns cinco anos pra terminar. Fui inaugurado em 1931 e minhas luzes acesas pelo cientista italiano Marconi diretamente de Nápoles. Pode-se dizer que sou um monumento multinacional. Peso mais de 1000 toneladas bem distribuídas nos meus 30 metros de altura.

RP — É dura a vida de estátua? Essa posição, braços abertos sobre a Guanabara, não cansa?
CR — Essa posição, imortalizada em música do Tom Jobim, é símbolo da cidade e eu tenho que manter de qualquer maneira. São os ossos do ofício, mas eu já estou acostumado. Apesar da minha idade, eu sou duro como uma rocha.

RP — O senhor faz uso de desodorante?
CR — Nunca usei e até hoje ninguém reclamou. O pessoal daqui de baixo do Jardim Botânico até criou um bloco em homenagem ao meu sovaco.

RP — Como é a vista aí de cima?
CR — Eu não me canso de apreciar essa paisagem maravilhosa, não há nada igual no mundo. Nesse tempo que estou aqui assisti muita coisa. Vi construírem a ponte Rio - Niterói, o Maracanã, o Aterro do Flamengo. É bem verdade que vi também algumas coisas ruins como a favelização da cidade. Gosto também de ver turistas chegarem aqui em cima esbaforidos e tirarem fotos de mim. Quando não tem ninguém é chato e pra passar o tempo eu fico contando barcos na baía de Guanabara e as viagens do bondinho do Pão de Açúcar.

RP — É verdade que a sua eleição como uma das sete maravilhas do mundo foi marmelada?
CR — Isso é choro de perdedor, de invejosos. Se você quer saber, eu acho até que fui prejudicado e merecia uma colocação melhor. Perder para a Muralha da China ainda vai, mas ficar atrás de uma cidade de pedra que ninguém nunca ouviu falar é dose. Eu sei que a Estátua da Liberdade foi uma que reclamou, mas, coitada, ela está caidinha, virou até garota propaganda de um shopping na Barra da Tijuca.

RP — Após a eleição, quais são seus planos?
CR — Eu gostaria que fizessem um pedestal rotatório para que eu possa girar e ver toda a cidade. Estou há mais de 70 anos na mesma posição e acordando todo dia com o sol na cara. E tem mais uma coisa, daqui pra frente eu quero ser conhecido como o Monumento do Cristo Maravilha.

Dos quintos do inferno

A chegada do ACM às profundezas do inferno foi apoteótica. Recebido pelo próprio Satanás e ovacionado por centenas de admiradores, e até mesmo por alguns desafetos, foi carregado nos ombros para o auditório local para fazer uma palestra sobre a política brasileira atual. Estavam todos ávidos por notícias frescas do outro mundo. Tão grande foi o interesse que o salão logo ficou lotado, com gente em pé pelos cantos e sentada no chão. ACM tomou lugar na tribuna e se preparou para proferir seu primeiro discurso dos quintos do inferno.
− Senhores e senhoras, caros colegas, correligionários e ilustríssimo doutor Satanás. Agradeço de coração a calorosa recepção que vocês me proporcionaram, mas deve estar havendo algum engano. Eu não pertenço a esse lugar, apesar de não ter nada contra os que aqui estão. Pelo muito que fiz em prol do povo brasileiro eu deveria estar lá em cima, num lugar de honra ao lado do Todo-Poderoso.
Gargalhada geral na platéia e alguém respondeu ao palestrante
− Logo você, o Toninho Malvadeza. Você é o nosso ídolo e estamos te aguardando aqui embaixo há muito tempo. Lá em cima não é lugar pra político brasileiro, muito menos pra Vossa Excelência.
A resposta arrancou risos e aplausos da platéia. Experiente, ACM esperou as palmas sossegarem e passou direto para o assunto da palestra.
− Vocês não têm idéia do que se passa no Brasil do século 21. A corrupção e roubalheira atingiram níveis inimagináveis. Está em todo lugar, na iniciativa privada, no congresso e nos governos federal, estadual e municipal. Nunca houve nada parecido, eu estou estarrecido. E olhem que eu conheço bem o assunto.
Nova onda de gargalhadas e palmas. ACM esperou mais uma vez o auditório se acalmar − A bandalheira tomou conta do país e os três poderes estão desmoralizados. Chegamos finalmente ao fundo do poço − concluiu de maneira enfática e fez uma pausa para observar a reação da platéia.
Geisel foi o primeiro a se manifestar
− Eu avisei pro João Batista que era cedo para a tal abertura, mas ele não me ouviu e deu no que deu.
Todos olharam para o Figueiredo que deu uma resposta lacônica.
− Não tenho nada a ver com isso. Eu já pedi pra vocês me esquecerem.
Tancredo saiu em defesa da abertura política.
− Se eu não tivesse morrido tudo seria diferente. A culpa foi do Ribamar que não teve pulso para reconduzir o país para a democracia. Assim que ele chegar aqui eu vou dizer isso pra ele.
Mario Covas interveio para botar ordem na casa
− Vocês não vão começar de novo com essa lengalenga porque ninguém agüenta mais. Esse assunto é passado e já morreu, como todos aqui. Vamos voltar a ouvir o nobre colega que acabou de chegar.
Aproveitando o momento de pausa, Lacerda levantou o braço e perguntou.
− O que vocês da oposição estão fazendo pra derrubar o governo? No meu tempo esse operário barbudo não teria se criado. Por muito menos eu fiz um presidente meter uma bala na cabeça.
— No peito — retrucou Getúlio sentado entre Jango e Brizola.
Antes que a discussão se alongasse, ACM retomou a palavra.
− Estimado governador Lacerda, folgo em revê-lo depois de tanto tempo. Não existe oposição, estão todos comprometidos e com o rabo preso com o governo. Sozinho eu não pude fazer nada, se ao menos o Luis Eduardo estivesse lá comigo. Mas com o apoio de vocês podemos fazer uma frente ampla e arquitetar o impeachment do presidente.
Novas gargalhadas e ACM notou que tinha falado besteira. Ulysses com sua voz cavernosa saiu em socorro do velho amigo.
− Meu caro Toninho, você ainda não entendeu a situação. Nós não podemos fazer mais nada, somos cartas fora do baralho, perdemos totalmente o poder. Eu sei que no início é difícil aceitar a idéia, mas com o tempo você se acostuma. Agora nós somos almas do outro mundo e a única coisa que podemos fazer é assombrar uns pobres coitados por aí. Outro dia mesmo um grupo saiu daqui pra assistir a abertura do Pan e puxou umas vaias no Maracanã.