terça-feira, 24 de junho de 2008

Os óculos do poeta


Sou um caçador de notícias que possam render uma boa crônica e nesta semana me chamou a atenção o roubo dos óculos da estátua do Carlos Drummond de Andrade. Pelo que li no jornal foi a terceira vez que roubaram, basta reporem a peça que alguém vai lá e a surrupia.
O que não consigo entender é para que servem uns óculos de estátua? Talvez seja um fã roubando para ter uma recordação do ídolo, ou um ato de puro vandalismo, mas por que cismaram justamente com os óculos do poeta?
Abro aqui um parágrafo para lucubrar um pouco sobre a palavra óculos. Apesar de se tratar de um objeto único o vocábulo se refere a um par de óculos, ou simplificando óculos, e por isso a palavra pede o plural. Esclarecida essa curiosidade lingüística, fecho o parágrafo e volto para Drummond e seu infortúnio.
Como se não bastasse servir de banheiro para pombos e ficar exposto às intempéries, sem óculos nosso poeta fica privado de enxergar o que se passa ao seu redor. É mais uma maldade que se faz com tão ilustre personagem. A primeira foi colocar sua estátua virada para os edifícios. Tenho certeza que se pudesse escolher esse mineiro de Itabira iria preferir se sentar apreciando o marzão e mulheres de biquíni na areia. Encontraria com mais facilidade inspiração para seus poemas e crônicas.
Mas voltando à pergunta inicial: por que roubaram os óculos do poeta? Quem rouba alguma coisa o faz com uma finalidade, mas nesse caso não consigo entender o motivo. Houve uma época em que foi moda roubar escudos de carros. Não havia um fusca na cidade com o escudo com o logotipo da fábrica. Os jovens roubavam para usar como enfeite nos fichários. Não deixava de ser um ato ilegal e deplorável, mas com uma finalidade. Já os óculos de bronze de uma estátua não servem para nada.
Se ao menos tivessem o poder de transferir a quem os usasse a visão do mundo e a genialidade do poeta o roubo teria uma justificativa. O privilegiado que usasse os óculos poderia dar continuidade à obra do artista.
Só me resta dar uma sugestão ao ladrão. Que guarde os óculos com cuidado para colocar na estátua do presidente Lula, que certamente algum dia vai ter uma, se é que já não tem. Pode ser que com os óculos do Drummond a estátua enxergue o que o ser humano não consegue enxergar.

Créu na praça


— Ouve só essa: a Holanda vai liberar sexo nas praças públicas.
— Como é que é? Sexo mesmo, transar pra valer?
— É o que tá escrito aqui no jornal.
— Quer dizer que o cara escolhe uma mulher numa daquelas vitrines e vai experimentar na praça. Se não gostar volta pra trocar por outra.
— É isso aí. Ou ele pode pegar uma mulher num barzinho, pedir um baseado pra viagem e ir desfrutar a erva e a mulher num parque das redondezas. Tudo dentro da lei.
— Isso é que é país avançado, não é aquela caretice dos Estados Unidos que derrubou o governador de Nova York só porque saiu com uma garota de programa. E olha que ele nem pagou com cartão corporativo.
— Mas eles vão se danar porque o vice que assumiu é cego. Não vai ver nada, igual ao nosso presidente.
— A Holanda sempre esteve na vanguarda. A nossa ministra de Sexo e Turismo devia dar um giro por lá e tirar umas idéias em vez de ficar mandando a gente relaxar e gozar.
— Essa de transar em praça pública é uma boa, ao ar livre, com flores e passarinhos cantando em volta. Dá pra fazer sexo e ainda pegar um bronze. É muito mais saudável do que em motéis.
— No inverno é que vai ser dureza. Lá faz um frio terrível.
— Eles dão um jeito e botam aqueles casacões de pele. Vão parecer dois ursos se acasalando na neve.
— Será que qualquer um pode fazer sexo nas praças, ou vai ter que ter licença?
— Talvez tenha que tirar uma carteirinha. O problema vai ser onde pendurar a carteirinha quando o casal estiver em atividade.
— E pode ser em qualquer lugar da praça?
— Aqui diz que tem ser longe das crianças. O playground tem que ficar de um lado e o fuckground do outro, cada qual com seu trepa-trepa.
— O que mais diz a notícia?
— Diz também que os policiais não podem interferir, a menos que o casal esteja perturbando a ordem pública.
— O que será perturbar a ordem pública numa trepada?
— Sei lá. Vai ver que só pode fazer papai-e-mamãe e não vale gemer alto.
— Deve ser por aí. Será que pode sexo grupal?
— Uma suruba ao ar livre, você quer dizer.
— Isso mesmo. Uma festinha de final de ano, de aniversário, de formatura.
— Por que não? Desde que não perturbem a tal ordem pública e no final deixem tudo limpo. Não pode é se lavar no laguinho da praça e deixar preservativos espalhados pelo chão.
— E o sexo vai ser liberado em qualquer praça?
— Acho que sim. Eles só vão ter que alterar as placas dos gramados. Vão ter que colocar – É proibido pisar e trepar na grama.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Verão carioca


No calendário o seu início é lá pelos meados de dezembro, mas é em janeiro que a cidade entra pra valer no clima de verão. É a estação com a cara do Rio. Praias cheias de crianças, mamães, babás, velhos, turistas, surfistas, vendedores ambulantes, catadores de latas, rapazes sarados e moças de corpos dourados. Para aplacar a sede e espantar o calor haja água de coco, mate gelado, refrigerante, refresco e sorvete. Pouca roupa e muito protetor solar. Mulheres exibem corpos bronzeados em vestidos leves deixando-as ainda mais sensuais. A minissaia, inventada na Inglaterra, é o uniforme oficial do verão carioca. Homens suados vagam pelas ruas com paletós nos ombros em busca de um papo amigo e de um chope gelado.
O dia insiste em não terminar e dar lugar à noite. É época de aplaudir o pôr do sol no mar, um privilégio carioca. O calor não dá tréguas. Sol escaldante e asfalto amolecendo. Termômetros beirando a casa dos quarenta. Ar condicionado a pleno vapor gotejando nas calçadas e nos pedestres. É cruel com quem tem que trabalhar, a cidade deveria entrar em recesso de verão.
Fevereiro é o começo oficial do ano letivo, embora aulas pra valer só em março. É também o mês do carnaval, o grande momento do verão. Banda de bairro, bloco de sujo e baile gay. Travestis e mulheres se misturam e se confundem num festival de silicone e sacanagem. Sapucaí, fantasias, plumas, baterias, alegorias e muita mulher pelada. Mudam os enredos, mas a mesmice continua. Genitália desnuda já não impressiona mais. Talvez uma cópula ao vivo faça sucesso: preliminares na concentração, evolução na avenida e apoteose na praça do mesmo nome. Sempre mantendo a harmonia e sem atravessar o samba para não perder pontos.
Em março os turistas já se foram e a cidade entra em ritmo de trabalho. Mas as praias continuam cheias com os termômetros ainda em alta. É o carioca que se despede dos últimos momentos da estação. O horário de verão já terminou, a noite expulsou o dia e retomou seu lugar no firmamento. Nuvens carregadas e ameaçadoras se formam no horizonte. Temporais desabam nos fins de tarde alagando ruas e transtornando a vida da cidade. São as águas de março fechando o verão e a crônica.