terça-feira, 1 de maio de 2007

O que é de gosto regala a vida

Alfredo passou mal no escritório chegando a desmaiar. Chamada às pressas para atendê-lo, sua filha única, médica, já o encontrou bem disposto e trabalhando normalmente — Foi uma bobagem, um mal estar passageiro — disse ele enquanto ela tirava sua pressão.
No dia seguinte ela o levou, sob protestos, para fazer um check-up no hospital em que trabalhava. Os resultados dos exames não acusaram nada de anormal — É excesso de trabalho, papai. Você precisa se distrair mais, relaxar, curtir a vida. Há quanto tempo você não tira umas férias?
Alfredo não respondeu, não teve coragem. As últimas férias haviam sido quando a levou para a Disney no seu aniversário de dez anos. Sabia que a filha tinha razão, ele se sentia mesmo estafado, mas relutava em se afastar do trabalho.
Na saída do hospital avistaram um outdoor de uma agência de turismo com a frase - Não leve tão a sério a sua existência. Você não vai sair dela com vida.
— Papai, essa frase foi feita sob medida pra você que vai acabar se matando de tanto trabalhar. Vai passar pela vida sem viver. Por que você e a mamãe não viajam para a Europa numa excursão? Aposto que vocês iriam adorar.
A frase e os argumentos da filha foram decisivos para ele tomar a decisão — Tudo bem, minha filha, eu tiro umas férias, mas nem pensar em Europa e viajar de avião. Eu vou é para São Lourenço e de carro.
— São Lourenço! Que falta de imaginação! Mas pensando bem é até melhor. Lá pelo menos você vai descansar e se alimentar bem.
No domingo Alfredo e a mulher seguiram para uma semana de férias em São Lourenço. Hospedaram-se no Hotel Brasil, o mesmo da lua de mel há trinta anos. O tempo havia passado e o hotel se modernizado, mas o programa era o mesmo. Manhã no parque das águas sulfurosas e magnesianas, foto no caramanchão do lago, miolo de pão para pombos e patos, pedalinho, charrete e um bom livro para ler.
Almoço seguido de cochilo na espreguiçadeira. À tardinha passeio a pé pelo comércio para comprar lembranças e bugigangas. Uma partida de biriba antes do jantar e depois cafezinho e chá na varanda. Os homens discutem política e futebol enquanto as mulheres assistem à novela na sala de televisão. Pouca coisa mudou dos tempos da lua de mel, só os momentos embaixo dos lençóis que não eram mais os mesmos.
O primeiro dia foi interessante, o segundo entediante e o terceiro angustiante. Alfredo sentia-se um inútil longe de seus relatórios, planilhas e contratos. A sensação era de um viciado tentando largar a droga. Pensou em ligar para o escritório e saber das novidades, mas conteve-se, estava ali para curtir as férias como havia prometido para a filha. Passou o resto da semana amargurado esperando pelo domingo.
Na segunda-feira voltou ansioso ao escritório. Deu um bom dia seco para os colegas, trancou-se na sala e mergulhou de cabeça na papelada. Não parou nem para almoçar. Como sempre foi o último a sair levando na pasta um relatório para terminar em casa. Precisava recuperar a semana perdida. Férias, nunca mais.

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