A chegada do ACM às profundezas do inferno foi apoteótica. Recebido pelo próprio Satanás e ovacionado por centenas de admiradores, e até mesmo por alguns desafetos, foi carregado nos ombros para o auditório local para fazer uma palestra sobre a política brasileira atual. Estavam todos ávidos por notícias frescas do outro mundo. Tão grande foi o interesse que o salão logo ficou lotado, com gente em pé pelos cantos e sentada no chão. ACM tomou lugar na tribuna e se preparou para proferir seu primeiro discurso dos quintos do inferno.
− Senhores e senhoras, caros colegas, correligionários e ilustríssimo doutor Satanás. Agradeço de coração a calorosa recepção que vocês me proporcionaram, mas deve estar havendo algum engano. Eu não pertenço a esse lugar, apesar de não ter nada contra os que aqui estão. Pelo muito que fiz em prol do povo brasileiro eu deveria estar lá em cima, num lugar de honra ao lado do Todo-Poderoso.
Gargalhada geral na platéia e alguém respondeu ao palestrante
− Logo você, o Toninho Malvadeza. Você é o nosso ídolo e estamos te aguardando aqui embaixo há muito tempo. Lá em cima não é lugar pra político brasileiro, muito menos pra Vossa Excelência.
A resposta arrancou risos e aplausos da platéia. Experiente, ACM esperou as palmas sossegarem e passou direto para o assunto da palestra.
− Vocês não têm idéia do que se passa no Brasil do século 21. A corrupção e roubalheira atingiram níveis inimagináveis. Está em todo lugar, na iniciativa privada, no congresso e nos governos federal, estadual e municipal. Nunca houve nada parecido, eu estou estarrecido. E olhem que eu conheço bem o assunto.
Nova onda de gargalhadas e palmas. ACM esperou mais uma vez o auditório se acalmar − A bandalheira tomou conta do país e os três poderes estão desmoralizados. Chegamos finalmente ao fundo do poço − concluiu de maneira enfática e fez uma pausa para observar a reação da platéia.
Geisel foi o primeiro a se manifestar
− Eu avisei pro João Batista que era cedo para a tal abertura, mas ele não me ouviu e deu no que deu.
Todos olharam para o Figueiredo que deu uma resposta lacônica.
− Não tenho nada a ver com isso. Eu já pedi pra vocês me esquecerem.
Tancredo saiu em defesa da abertura política.
− Se eu não tivesse morrido tudo seria diferente. A culpa foi do Ribamar que não teve pulso para reconduzir o país para a democracia. Assim que ele chegar aqui eu vou dizer isso pra ele.
Mario Covas interveio para botar ordem na casa
− Vocês não vão começar de novo com essa lengalenga porque ninguém agüenta mais. Esse assunto é passado e já morreu, como todos aqui. Vamos voltar a ouvir o nobre colega que acabou de chegar.
Aproveitando o momento de pausa, Lacerda levantou o braço e perguntou.
− O que vocês da oposição estão fazendo pra derrubar o governo? No meu tempo esse operário barbudo não teria se criado. Por muito menos eu fiz um presidente meter uma bala na cabeça.
— No peito — retrucou Getúlio sentado entre Jango e Brizola.
Antes que a discussão se alongasse, ACM retomou a palavra.
− Estimado governador Lacerda, folgo em revê-lo depois de tanto tempo. Não existe oposição, estão todos comprometidos e com o rabo preso com o governo. Sozinho eu não pude fazer nada, se ao menos o Luis Eduardo estivesse lá comigo. Mas com o apoio de vocês podemos fazer uma frente ampla e arquitetar o impeachment do presidente.
Novas gargalhadas e ACM notou que tinha falado besteira. Ulysses com sua voz cavernosa saiu em socorro do velho amigo.
− Meu caro Toninho, você ainda não entendeu a situação. Nós não podemos fazer mais nada, somos cartas fora do baralho, perdemos totalmente o poder. Eu sei que no início é difícil aceitar a idéia, mas com o tempo você se acostuma. Agora nós somos almas do outro mundo e a única coisa que podemos fazer é assombrar uns pobres coitados por aí. Outro dia mesmo um grupo saiu daqui pra assistir a abertura do Pan e puxou umas vaias no Maracanã.
terça-feira, 16 de outubro de 2007
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