Embarquei numa excursão de ônibus para as cidades históricas de Minas consciente de que estava embarcando também na terceira idade. Sempre gostei de viajar por conta própria. Em carros alugados e com um mapa na mão desbravei estradas desconhecidas por esse mundo afora. É verdade que me perdi algumas vezes e passei alguns sufocos, mas no fim das viagens esses contratempos se tornavam agradáveis recordações. Dessa vez foi diferente, por insistência de minha mulher, entramos numa excursão com tudo previamente organizado: hotéis, horários e itinerários.
Dentro do ônibus uma nuvem de cabelos brancos pairava por cima das poltronas. Me senti jovem no esplendor dos meus 60 anos. Depois da cerimônia de apresentações e de um lanchinho servido pelas solícitas guias seguimos quietos até a primeira parada — Quinze minutos para vocês esticarem as pernas e irem ao banheiro. Somente para o número um, deixem o número dois para o hotel. Aproveitem para trocar os fraldões geriátricos — ordenou uma delas com firmeza.
Obediente que sou, preparei-me para saltar do ônibus, mas não foi fácil. Um senhor com dificuldade para se locomover desceu apoiado numa bengala provocando enorme congestionamento atrás dele. Perdemos preciosos minutos e pensei em reivindicar uma prorrogação, mas desisti. Assim que consegui sair fui ao banheiro e mijei mesmo sem vontade para não ser tachado de rebelde; uma senhora já havia me chamado a atenção ao me ver sem crachá. De volta ao ônibus peguei um cigarro e levei-o à boca. Fui fuzilado por dezenas de olhares recriminadores, inclusive o da minha mulher. Em sinal de protesto decidi manter o cigarro apagado na boca.
Tumulto na chegada a Tiradentes, nosso primeiro pouso. Um ônibus com turistas franceses chegou junto com o nosso, provocando enorme confusão de malas e pessoas na portaria do hotel. Depois de muitas reclamações e bagagens trocadas saímos em grupo para conhecer a cidade. Ciceroneados por um guia local o cortejo seguiu a pé pelas pitorescas ruas e ladeiras de paralelepípedo. Um bando de tartarugas mancas teria ido mais rápido.
De volta ao hotel nossa guia sargentona informou a programação para a noite e dia seguinte — Hoje vocês têm noite livre para experimentarem a culinária mineira e fazerem comprinhas no comércio local. Amanhã alvorada às seis e meia. Malas na porta do quarto e todos no restaurante as sete em ponto para tomarmos o café da manhã — com os números um e dois já resolvidos, ela pensou, mas não disse.
Brilhante plano, não fosse também o dos franceses. O resultado foi novo tumulto internacional na manhã seguinte. Oitenta pessoas se digladiando ao redor da mesa do bufê por um pedaço de pão, um bolinho de fubá e uma xícara de café com leite. O pão de queijo nem chegava à mesa, o garçom era assaltado no caminho e voltava para a cozinha com a bandeja vazia. Com sacrifício consegui uma xícara de café e um pedaço de queijo de minas que surrupiei do prato de uma francesa distraída. Atrasados e mal alimentados seguimos em frente.
O resto da viagem foi uma sucessão de entra e sai de ônibus e igrejas, alvoradas com o galo cantando, malas na porta com hora marcada e caminhadas a passo de cágado. Num dos hotéis uma senhora afobada despachou a mala antes de tirar a roupa que ia vestir. Passou o dia de roupão até chegarmos no hotel seguinte. E tome de comida mineira e compras de lembrançinhas inúteis. Levei mais dois cartões amarelos da fiscal de crachá. Houve troca de remédios e receitas culinárias. Ouvi relatos detalhados de cirurgias, com direito a exibição de cicatrizes. Tirei muitas fotos com o grupo na porta de igrejas e vi dezenas de retratos de filhos, netos e bisnetos. Na viagem de volta tivemos jogos, sorteio de brindes, amigo oculto e karaokê a bordo. Fomos obrigados a fazer duas paradas não programadas por conta dos abusos da culinária mineira. A guia anunciou que breve haverá nova excursão, provavelmente com o mesmo roteiro. Graças ao Alzheimer em uma semana todos já terão esquecido o que viram. Solicitado a preencher nome, endereço e telefone numa lista, informei tudo errado.
Sorria, você está na Barra! Nunca fiquei tão contente em voltar para casa. Prometendo participar em outras excursões do grupo me despedi e desembarquei do ônibus e da terceira idade.
quinta-feira, 7 de junho de 2007
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Um comentário:
Fábio, espetacular!!!! Fiquei imaginando as cenas hilárias... Seus textos descrevem tão bem as situações, que fico vendo tudo como num filme. Vc tb daria um ótimo roteirista, hein? Beijos grandes!!!
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