sábado, 14 de abril de 2007

Operação padrão

— O que deu em você para querer sair na sexta-feira? A mocréia da tua mulher morreu?
— Não, mas ela vai viajar e levar o Junior. Estou livre nesse fim de semana.
— A gente vai poder pegar um cineminha e tomar um chope depois, ou você vai querer ir direto pro motel como sempre?
— Bem que eu queria minha querida, mas você sabe que não posso.
— Eu mereço! Mas quem mandou me meter com homem casado? A que horas você me pega na sexta?
— O vôo deles sai as cinco e assim que estiver livre eu te ligo e te pego no trabalho lá pelas seis. A gente vai direto pro motel tomar aquele banho gostoso, um jantarzinho caprichado e depois dormir agarradinho. Sem pressa e nem hora pra terminar.
— Eu só acredito vendo. É melhor não contar com o ovo você sabe onde. Você já me deixou na mão muitas vezes com os teus problemas familiares.
— Dessa vez não tem erro, benzinho. As passagens já estão compradas e eles vão na sexta pro aniversário da minha sogra em Belo Horizonte e só voltam no domingo à noite. Esse fim de semana é todo nosso. Um beijão pra você — ele deu um beijo estalado no celular e desligou.
Na sexta-feira saiu cedo do trabalho, almoçou em casa e antes das quatro estava no aeroporto com a mulher e o filho. Às seis horas ligou do banheiro para a amante.
— Ainda estou aqui no aeroporto, meu amor, isso aqui está uma zona e todos os vôos estão atrasados. Você tem que ter paciência.
— Eu sabia que você ia aprontar mais uma. E ainda caio na tua conversa.
— A culpa não é minha, minha flor, os controladores de vôo estão em operação padrão e está um caos em todos os aeroportos do país. Você pode ver na televisão.
— Você nunca tem culpa de nada, parece até o Lula. O quê que eu tenho a ver com essa operação padrão? Não vou viajar pra lugar nenhum e sobrou pra mim.
— Espera só mais um pouquinho que eu te ligo assim que eles forem. Agora tenho que desligar pra ver se já tem uma previsão de embarque. Um beijão.
Duas horas depois ele ainda está na fila do check-in com a mulher e o filho. O celular toca, ele vê que é ela e não atende.
— Quem era? — a mulher dele quis saber.
--Era o Jorge — ele desconversa — Depois eu ligo pra ele, agora estou ocupado.
— Ocupado com que? Nós estamos em pé aqui nessa droga de fila há mais de três horas sem nada pra fazer. Liga logo pra ele que pode ser alguma coisa importante.
— Agora não, meu bem. Ele fala muito e deve ser uma bobagem qualquer, mais tarde eu ligo. Eu estou aqui pra dar atenção pra vocês — retrucou preocupado.
— Papai, eu quero fazer xixi.
Salvo pelo gongo! Pegou o menino pelo braço e saiu rápido dali. Aproveitou para ligar para a amante do banheiro enquanto se aliviava ao lado do filho.
— Ô Jorge, eu ainda estou aqui no aeroporto com a família e o vôo deles está atrasado. Não precisa me ligar de novo que eu te ligo assim que puder.
— Jorge você sabe quem é. Vou te esperar só mais meia hora, nem mais um minuto, depois disso não precisa ligar mais — ela deu um ultimato.
— Tudo bem, Jorge, eu ligo assim que puder — ele quase se esquece que o garoto está ao lado e manda o tradicional beijão pro “Jorge”. Força do hábito.
Voltou para a fila e para a mulher. A situação continua a mesma, sem previsão de embarque. Alguém comenta que é a tal operação padrão.
— Se é padrão tinha que melhorar e não causar essa zorra toda. Essa esculhambação só acontece no Brasil — ele esbraveja irritado com a passividade geral.
Às nove e meia um funcionário da companhia aérea anunciou que o vôo estava cancelado e eles só iriam embarcar no dia seguinte. Depois de muita gritaria e tumulto no saguão do aeroporto ele não teve outro jeito senão voltar para casa com a mulher e o filho. A noite de sexta estava perdida. Lá pelas dez horas da manhã de sábado conseguiu finalmente despachar os dois e assim que se viu sozinho, ligou para a amante.
— Mil desculpas, meu amor, mas não foi culpa minha. Tentei te ligar ontem à noite, mas o teu celular estava fora de área.
— Estava desligado — ela respondeu seca.
— Eu tenho boas notícias, eles já embarcaram e eu estou livre. Eu posso te pegar a hora que você quiser. Hoje sou todo teu.
— Hoje não vai dar — ela economizava palavras.
— Como é que é? Estou livre, meu bem, e sou todo teu. Eles já estão voando e está tudo certo agora. Podemos passar o dia e a noite juntos.
-- Hoje não vai dar — ela repetiu no mesmo tom de voz.
— Mas por que isso? O que deu em você? — ele perguntou desesperado.
— Nada de fim de semana. Também estou em operação padrão!

6 comentários:

Arthur disse...

Fabio,

Parabéns pelo Blog!
Grande estréia. Como sempre, jogando aquela bola redondinha :-)

Aquele abraço,
Arthur

Maria do Carmo Braga disse...

Como sempre, criativa e precisa.
Você não joga palavras fora...
Parabéns!
Maria

Fernando Goldman disse...

Fábio

Bela estréia.
Parabéns pelo Blog.

Forte abraço,

Fernando Goldman

christina disse...

adorei. o seu humor sempre presente
nos seus textos. parabens pelo blog.

Ana Lúcia Prôa disse...

Muito boa, Fábio!!! Já até imagino o Novaes lendo sua crônica na Oficina...

Beijos grandes,

Ana

PEDRO WIDMAR disse...

deixei para comentar no ultimo pos li todos. :)
Seus contos sao muito boms. nao sou ninguem para criticar mas acho que todos eles têm um sentimento tao confortavel... poderia ler por horas..