terça-feira, 17 de abril de 2007

Arroz também é gente

— Você viu essa? — diz o marido lendo o jornal — Depois de clones de ovelhas e de outros animais dessa vez inventaram um arroz com DNA humano para produção de vacinas e remédios.
— Como é que é? — pergunta a mulher curiosa.
—Agora o arroz também é gente e vai ter pedigree. A embalagem vai mostrar a data em que ele foi gerado, o local e o nome dos pais, como numa certidão de nascimento.
— E a gente vai comprar no supermercado ou adotar numa maternidade?
— Isso eu não sei, mas vamos ter que carregar com cuidado no colo e quando chegar em casa colocar no berço. Nada de despensa.
— E como é que a gente vai escolher o arroz? Pelo nome de família?
— O arroz vai ser conhecido pelo nome de seus progenitores. Os livros de culinária e os mestres cucas vão indicar o tipo mais adequado para cada refeição. Por exemplo, um arroz à grega vai ter obrigatoriamente descendência grega. Para acompanhar uma feijoada o arroz pode ser um Zeca Pagodinho ou um Romário. Um estrogonofe tem que usar arroz russo. Você já imaginou que delícia deve ser um arroz Sharapova? E de sobremesa um arroz doce Juliana Paes com leite condensado e canela em cima. Só de pensar me dá água na boca.
— Vai fazer sucesso entre os homens, mas não vai agradar ao público feminino. Para nós mulheres o ideal é um risoto preparado com um Leonardo di Caprio, uma paella com um Antonio Banderas ou um arroz de forno com um Rodrigo Santoro.
— A escolha do arroz vai ser importantíssima para não se cometer gafes. Um banquete requer um arroz soltinho e sofisticado, um Gisele Bünchen, que não deve ser nunca usado com um feijão mulatinho qualquer. Já uma boa bacalhoada pede um arroz português, encorpado e denso, um José Saramago. Parboilizado para facilitar a digestão.
— Se inventaram a paternidade para o arroz, será que vão inventar também para outras plantas?
— Com certeza, a política brasileira é pródiga em progenitores. O Alckmin vai dar um chuchu de primeira e o Lula um ótimo pé de cana. O Aécio poderia até gerar uma excelente couve mineira, mas ele tem vocação mesmo é pra arroz de festa.
— E quem vai ser o pai da nossa cannabis?
— O Gabeira, sem sombra de dúvida.

sábado, 14 de abril de 2007

Operação padrão

— O que deu em você para querer sair na sexta-feira? A mocréia da tua mulher morreu?
— Não, mas ela vai viajar e levar o Junior. Estou livre nesse fim de semana.
— A gente vai poder pegar um cineminha e tomar um chope depois, ou você vai querer ir direto pro motel como sempre?
— Bem que eu queria minha querida, mas você sabe que não posso.
— Eu mereço! Mas quem mandou me meter com homem casado? A que horas você me pega na sexta?
— O vôo deles sai as cinco e assim que estiver livre eu te ligo e te pego no trabalho lá pelas seis. A gente vai direto pro motel tomar aquele banho gostoso, um jantarzinho caprichado e depois dormir agarradinho. Sem pressa e nem hora pra terminar.
— Eu só acredito vendo. É melhor não contar com o ovo você sabe onde. Você já me deixou na mão muitas vezes com os teus problemas familiares.
— Dessa vez não tem erro, benzinho. As passagens já estão compradas e eles vão na sexta pro aniversário da minha sogra em Belo Horizonte e só voltam no domingo à noite. Esse fim de semana é todo nosso. Um beijão pra você — ele deu um beijo estalado no celular e desligou.
Na sexta-feira saiu cedo do trabalho, almoçou em casa e antes das quatro estava no aeroporto com a mulher e o filho. Às seis horas ligou do banheiro para a amante.
— Ainda estou aqui no aeroporto, meu amor, isso aqui está uma zona e todos os vôos estão atrasados. Você tem que ter paciência.
— Eu sabia que você ia aprontar mais uma. E ainda caio na tua conversa.
— A culpa não é minha, minha flor, os controladores de vôo estão em operação padrão e está um caos em todos os aeroportos do país. Você pode ver na televisão.
— Você nunca tem culpa de nada, parece até o Lula. O quê que eu tenho a ver com essa operação padrão? Não vou viajar pra lugar nenhum e sobrou pra mim.
— Espera só mais um pouquinho que eu te ligo assim que eles forem. Agora tenho que desligar pra ver se já tem uma previsão de embarque. Um beijão.
Duas horas depois ele ainda está na fila do check-in com a mulher e o filho. O celular toca, ele vê que é ela e não atende.
— Quem era? — a mulher dele quis saber.
--Era o Jorge — ele desconversa — Depois eu ligo pra ele, agora estou ocupado.
— Ocupado com que? Nós estamos em pé aqui nessa droga de fila há mais de três horas sem nada pra fazer. Liga logo pra ele que pode ser alguma coisa importante.
— Agora não, meu bem. Ele fala muito e deve ser uma bobagem qualquer, mais tarde eu ligo. Eu estou aqui pra dar atenção pra vocês — retrucou preocupado.
— Papai, eu quero fazer xixi.
Salvo pelo gongo! Pegou o menino pelo braço e saiu rápido dali. Aproveitou para ligar para a amante do banheiro enquanto se aliviava ao lado do filho.
— Ô Jorge, eu ainda estou aqui no aeroporto com a família e o vôo deles está atrasado. Não precisa me ligar de novo que eu te ligo assim que puder.
— Jorge você sabe quem é. Vou te esperar só mais meia hora, nem mais um minuto, depois disso não precisa ligar mais — ela deu um ultimato.
— Tudo bem, Jorge, eu ligo assim que puder — ele quase se esquece que o garoto está ao lado e manda o tradicional beijão pro “Jorge”. Força do hábito.
Voltou para a fila e para a mulher. A situação continua a mesma, sem previsão de embarque. Alguém comenta que é a tal operação padrão.
— Se é padrão tinha que melhorar e não causar essa zorra toda. Essa esculhambação só acontece no Brasil — ele esbraveja irritado com a passividade geral.
Às nove e meia um funcionário da companhia aérea anunciou que o vôo estava cancelado e eles só iriam embarcar no dia seguinte. Depois de muita gritaria e tumulto no saguão do aeroporto ele não teve outro jeito senão voltar para casa com a mulher e o filho. A noite de sexta estava perdida. Lá pelas dez horas da manhã de sábado conseguiu finalmente despachar os dois e assim que se viu sozinho, ligou para a amante.
— Mil desculpas, meu amor, mas não foi culpa minha. Tentei te ligar ontem à noite, mas o teu celular estava fora de área.
— Estava desligado — ela respondeu seca.
— Eu tenho boas notícias, eles já embarcaram e eu estou livre. Eu posso te pegar a hora que você quiser. Hoje sou todo teu.
— Hoje não vai dar — ela economizava palavras.
— Como é que é? Estou livre, meu bem, e sou todo teu. Eles já estão voando e está tudo certo agora. Podemos passar o dia e a noite juntos.
-- Hoje não vai dar — ela repetiu no mesmo tom de voz.
— Mas por que isso? O que deu em você? — ele perguntou desesperado.
— Nada de fim de semana. Também estou em operação padrão!